quinta-feira, 5 de julho de 2018

Velhos tempos.


Tudo na vida depende de sorte. Eu, por exemplo, relendo minhas velhas Cadernetas de Voo, fico mesmo sem acreditar de ver quantas “leãozadas” eu fiz, e quanta sorte eu tive e continuo tendo na vida. Mas, apesar de tudo, nunca, nem de leve, arranhei nenhuma das minhas muitas, variadas e das mais belas garças que tive o gosto de voar. Sorte delas. Todo piloto tem seu caso p’ra contar. Escutem essa. Uma vez decolei de Carauari para Eirunepê, nas margens do “Juruá”. Estávamos em condições de “Voo por Instrumentos”, debaixo de pesadas chuvas e perigosos relâmpagos. Tudo ia bem, e já havíamos percorrido metade do caminho, quando de repente, “não mais que de repente”, ouvimos aquele barulhão: Pápumparatipum; acabara de perder a cabeça um dos enormes cilindros do motor, levando consigo parte da carenagem. E fogo, muito fogo no motor. Rapidamente executamos os procedimentos de emergência previstos. Como “sói acontecer” nestas tristes ocasiões, pânico a bordo, e “todos” passageiros correram para a parte traseira do meu corajoso C-47, pois é lá que eles acham ser o melhor lugar para morrer.  Agora, a parte mais “engraçada’ e pitoresca do caso: o meu copila, coitado, um segundo tenente da reserva muito novinho, e que, -- pálido de espanto como nos versos do Olavo Bilac -- desmaiou, ao sentir o abraço da “bruxa”, dizendo que íamos morrer. Quando o “novinho” gritou que íamos morrer, o nosso bom sargento apressou-se em abrir sua maletinha, e servir-se do mais generoso trago de sua caninha preferida.  Quando senti aquele gostoso bafo de cano, olhei-o, com aquele ar de censura, quando então ele disse: -- Major Maciel, já que a gente vai morrer, né?, dando uma boa e estrondosa gargalhada, cheia de esperanças. Tive que rir também, e juro a vocês que também senti vontade de tomar uma boa talagada. Mas a ocasião não era de brincadeiras. Voamos muito tempo monomotor, e como não podíamos abandonar o leito do rio, muito sinuoso, para o caso de um pouso de emergência, pois as árvores que margeavam o rio eram enormes castanheiras, aquilo que seria um tempo estimado 40 minutos, acabou se transformando numa “eternidade” de duas horas; um verdadeiro “récorde” de voo monomotor na Amazônia.
Chegamos em Eirunepê bem na hora do lusco-fusco, sob os olhares da multidão que nos aguardava ansiosa no pequenino “aeroporto” da cidade, verdadeira pérola do Juruá. E o mais engraçado de tudo é que fui carregado pela multidão, como um verdadeiro herói nacional. À noite, o prefeito nos ofereceu suculenta “tartarugada” e fez até um discurso em minha homenagem, pois sua   família inteira estava a bordo. Foi quando eu chamei o nosso mecânico para um particular e “ordenei-lhe” que, agora sim! -- me servisse o mais generoso copo da sua santa, gloriosa e salvadora caninha. Velhos tempos!
Coronel Maciel.

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