Tudo na vida depende de
sorte. Eu, por exemplo, relendo minhas velhas Cadernetas de Voo, fico mesmo sem
acreditar de ver quantas “leãozadas” eu fiz, e quanta sorte eu tive e continuo
tendo na vida. Mas, apesar de tudo, nunca, nem de
leve, arranhei nenhuma das minhas muitas, variadas e das mais belas garças que
tive o gosto de voar. Sorte delas. Todo piloto tem seu caso p’ra contar.
Escutem essa. Uma vez decolei de Carauari para Eirunepê, nas margens do “Juruá”.
Estávamos em condições de “Voo por Instrumentos”, debaixo de pesadas chuvas e
perigosos relâmpagos. Tudo ia bem, e já havíamos percorrido metade do caminho,
quando de repente, “não mais que de repente”, ouvimos aquele barulhão: Pápumparatipum;
acabara de perder a cabeça um dos enormes cilindros do motor, levando consigo
parte da carenagem. E fogo, muito fogo no motor. Rapidamente executamos os
procedimentos de emergência previstos. Como “sói acontecer” nestas tristes
ocasiões, pânico a bordo, e “todos” passageiros correram para a parte traseira
do meu corajoso C-47, pois é lá que eles acham ser o melhor lugar para morrer. Agora, a parte mais “engraçada’ e pitoresca
do caso: o meu copila, coitado, um segundo tenente da reserva muito novinho, e
que, -- pálido de espanto como nos versos do Olavo Bilac -- desmaiou, ao sentir
o abraço da “bruxa”, dizendo que íamos morrer. Quando o “novinho” gritou que
íamos morrer, o nosso bom sargento apressou-se em abrir sua maletinha, e servir-se
do mais generoso trago de sua caninha preferida. Quando senti aquele gostoso bafo de cano,
olhei-o, com aquele ar de censura, quando então ele disse: -- Major Maciel, já
que a gente vai morrer, né?, dando uma boa e estrondosa gargalhada, cheia de
esperanças. Tive que rir também, e juro a vocês que também senti vontade de
tomar uma boa talagada. Mas a ocasião não era de brincadeiras. Voamos muito
tempo monomotor, e como não podíamos abandonar o leito do rio, muito sinuoso,
para o caso de um pouso de emergência, pois as árvores que margeavam o rio eram
enormes castanheiras, aquilo que seria um tempo estimado 40 minutos, acabou se
transformando numa “eternidade” de duas horas; um verdadeiro “récorde” de voo
monomotor na Amazônia.
Chegamos em Eirunepê
bem na hora do lusco-fusco, sob os olhares da multidão que nos aguardava
ansiosa no pequenino “aeroporto” da cidade, verdadeira pérola do Juruá. E o
mais engraçado de tudo é que fui carregado pela multidão, como um verdadeiro
herói nacional. À noite, o prefeito nos ofereceu suculenta “tartarugada” e fez
até um discurso em minha homenagem, pois sua
família inteira estava a bordo. Foi quando eu chamei o nosso mecânico
para um particular e “ordenei-lhe” que, agora sim! -- me servisse o mais
generoso copo da sua santa, gloriosa e salvadora caninha. Velhos tempos!
Coronel Maciel.
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