Emergências... Como é fácil criticar...
Vou contar o caso de
uma singular emergência acontecida numa tarde-noite do dia 10 de janeiro de
1979. Decolamos no meu garboso DAKOTA
C-47 lá de Carauari, cidadezinha nas margens do majestoso Rio Juruá. O meu
corajoso “Dakota” topava qualquer parada, naquelas nossas saudosas missões pela
floresta amazônica; tinha um verdadeiro coração de mãe; sempre havia lugar para
mais um. Havia mais de vinte passageiros além do permitido, entre papagaios,
índios, padres, freiras, num total de 40 pessoas a bordo; 15 a mais do
permitido. Eram ribeirinhos magrinhos,
desnutridos, cheios de “malárias” e que não alteravam muito o peso máximo
permitido para uma boa decolagem. Voávamos entre Carauari—Eirunepé, em
condições de “Voo por Instrumentos”, debaixo de corajosa chuva e relâmpagos
verdejantes. Tudo ia bem, e já havíamos percorrido metade do caminho quando de
repente, não mais que de repente, acontece fortíssima trepidação no motor
esquerdo. Pum, pum, pum! Acabara de desprender-se a cabeça de um dos enormes
cilindros do motor, levando consigo parte da carenagem, a cobertura que envolve
os motores; e fogo, muito fogo no motor. Rapidamente executamos os procedimentos
de emergência, e só depois de muito custo conseguimos colocar a “Bolinha no Centro”,
conseguindo assim estabilizar o avião, usando o regime “Máximo Contínuo”
logicamente no motor bom, e voando a mil pés de altura. Como sempre acontece
nessas emergências, houve pânico a bordo e alguns passageiros correram para a
parte traseira do avião, deslocando perigosamente nosso Centro de Gravidade. Um
verdadeiro sufoco. As distâncias entre as cidades na Amazônia são enormes,
assim como grande e sinuoso é o majestoso Rio Juruá. Eu, temeroso que o motor
bom não aguentasse tanto esforço, durante tanto tempo, decidi ficar sempre
sobrevoando o Rio, para executar uma amerissagem sobre o leito, como única
alternativa, pois são enormes as árvores naquela região; sobre as águas era a
nossa única chance. Bom; agora vem a parte mais “engraçada’ e curiosa do caso:
o meu copiloto era um Segundo Tenente da Reserva bem novinho, e que, -- pálido
de espanto como nos versos do Olavo Bilac -- desmaiou, ao sentir o abraço da “Bruxa”
se aproximando. E desmaiou, dizendo que íamos morrer. Foi nossa sorte, pois
assim fiquei sozinho para tomada de decisões; sozinho, não; fiquei eu e o
mecânico nos ajudando. Quando o tenente afirmou que íamos morrer, o nosso bom Sargento
apressou-se em abrir sua inseparável “malinha de voo”, e dar seu primeiro e
generoso gole da sua caninha preferida e sua eterna companheira, e capaz de
salvá-lo em qualquer tipo de emergência. Quando senti aquele bafo de cano,
olhei com aquele ar de censura, quando então ele me disse, agora já alegre, sem
medo e bem-disposto: -- “Majó Maciel”, já que vamos morrer, né, dando uma
gostosa gargalhada, que não sei se de medo ou de pavor. Tive que rir daquela
inusitada ocasião, e juro pela fé da Virgem Maria que também senti uma vontade louca
de dar uma gostosa talagada da sua gostosa 51. Voamos muito tempo monomotor, e
como não podíamos abandonar o leito do rio, para o caso de um pouso de
emergência, aquilo que seria um tempo estimado 40 minutos para chegarmos em Eirunepé,
acabou se transformando numa “eternidade” de duas horas, voando a cem milhas
por hora, num regime Máximo Contínuo, e sentindo aquele cheirinho de cana do
nosso grande amigo mecânico de voo, que na realidade foi quem muito me ajudou
naquelas horas que considero as de maior sufoco em minha vida.
Chegamos em Eirunepé bem na hora do lusco-fusco, sob os
olhares da multidão que nos aguardava ansiosa no pequeninho “Aeroporto” da cidade,
verdadeira pérola do Juruá. E o mais engraçado de tudo é que fui carregado
pelos passageiros, como um verdadeiro herói nacional! À noite, o Prefeito nos
ofereceu suculenta “Tartarugada” e fez até um discurso em minha homenagem, pois
sua família inteira estava toda a bordo
da nossa “aeronave”. Foi quando eu
chamei bem baixinho o nosso Sargento e “ordenei-lhe” que, agora sim! -- me
servisse de um copo bem generoso da sua santa e milagrosa caninha...
Coronel Maciel.
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