sábado, 22 de dezembro de 2018

Mais pousos de Emergência.


Emergências... Como é fácil criticar...
 Vou contar o caso de uma singular emergência acontecida numa tarde-noite do dia 10 de janeiro de 1979.  Decolamos no meu garboso DAKOTA C-47 lá de Carauari, cidadezinha nas margens do majestoso Rio Juruá. O meu corajoso “Dakota” topava qualquer parada, naquelas nossas saudosas missões pela floresta amazônica; tinha um verdadeiro coração de mãe; sempre havia lugar para mais um. Havia mais de vinte passageiros além do permitido, entre papagaios, índios, padres, freiras, num total de 40 pessoas a bordo; 15 a mais do permitido.  Eram ribeirinhos magrinhos, desnutridos, cheios de “malárias” e que não alteravam muito o peso máximo permitido para uma boa decolagem. Voávamos entre Carauari—Eirunepé, em condições de “Voo por Instrumentos”, debaixo de corajosa chuva e relâmpagos verdejantes. Tudo ia bem, e já havíamos percorrido metade do caminho quando de repente, não mais que de repente, acontece fortíssima trepidação no motor esquerdo. Pum, pum, pum! Acabara de desprender-se a cabeça de um dos enormes cilindros do motor, levando consigo parte da carenagem, a cobertura que envolve os motores; e fogo, muito fogo no motor. Rapidamente executamos os procedimentos de emergência, e só depois de muito custo conseguimos colocar a “Bolinha no Centro”, conseguindo assim estabilizar o avião, usando o regime “Máximo Contínuo” logicamente no motor bom, e voando a mil pés de altura. Como sempre acontece nessas emergências, houve pânico a bordo e alguns passageiros correram para a parte traseira do avião, deslocando perigosamente nosso Centro de Gravidade. Um verdadeiro sufoco. As distâncias entre as cidades na Amazônia são enormes, assim como grande e sinuoso é o majestoso Rio Juruá. Eu, temeroso que o motor bom não aguentasse tanto esforço, durante tanto tempo, decidi ficar sempre sobrevoando o Rio, para executar uma amerissagem sobre o leito, como única alternativa, pois são enormes as árvores naquela região; sobre as águas era a nossa única chance. Bom; agora vem a parte mais “engraçada’ e curiosa do caso: o meu copiloto era um Segundo Tenente da Reserva bem novinho, e que, -- pálido de espanto como nos versos do Olavo Bilac -- desmaiou, ao sentir o abraço da “Bruxa” se aproximando. E desmaiou, dizendo que íamos morrer. Foi nossa sorte, pois assim fiquei sozinho para tomada de decisões; sozinho, não; fiquei eu e o mecânico nos ajudando. Quando o tenente afirmou que íamos morrer, o nosso bom Sargento apressou-se em abrir sua inseparável “malinha de voo”, e dar seu primeiro e generoso gole da sua caninha preferida e sua eterna companheira, e capaz de salvá-lo em qualquer tipo de emergência. Quando senti aquele bafo de cano, olhei com aquele ar de censura, quando então ele me disse, agora já alegre, sem medo e bem-disposto: -- “Majó Maciel”, já que vamos morrer, né, dando uma gostosa gargalhada, que não sei se de medo ou de pavor. Tive que rir daquela inusitada ocasião, e juro pela fé da Virgem Maria que também senti uma vontade louca de dar uma gostosa talagada da sua gostosa 51. Voamos muito tempo monomotor, e como não podíamos abandonar o leito do rio, para o caso de um pouso de emergência, aquilo que seria um tempo estimado 40 minutos para chegarmos em Eirunepé, acabou se transformando numa “eternidade” de duas horas, voando a cem milhas por hora, num regime Máximo Contínuo, e sentindo aquele cheirinho de cana do nosso grande amigo mecânico de voo, que na realidade foi quem muito me ajudou naquelas horas que considero as de maior sufoco em minha vida. 
Chegamos em Eirunepé bem na hora do lusco-fusco, sob os olhares da multidão que nos aguardava ansiosa no pequeninho “Aeroporto” da cidade, verdadeira pérola do Juruá. E o mais engraçado de tudo é que fui carregado pelos passageiros, como um verdadeiro herói nacional! À noite, o Prefeito nos ofereceu suculenta “Tartarugada” e fez até um discurso em minha homenagem, pois sua   família inteira estava toda a bordo da nossa “aeronave”.  Foi quando eu chamei bem baixinho o nosso Sargento e “ordenei-lhe” que, agora sim! -- me servisse de um copo bem generoso da sua santa e milagrosa caninha...
Coronel Maciel.



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