quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Malária Nervosa.


Como eram fortes, amigos, fiéis, corajosos os “Dakotas” dos nossos velhos tempos na minha querida Força Aérea! E eram iguais a coração de mãe: sempre cabia mais um. Decolamos de Cururu para Jacareacanga com a garça pesadona; cheia! Em Jacaré, encheu mais ainda; lotada. Foi quando o nosso Tenente--Médico veio-me dizer que havia uma menina de uns dez anos, com “malária nervosa” e que precisava ser transportada de qualquer maneira para Santarém. Malária, como vocês sabem, tem cura; exceto a primeira...
 “Arquitetamos” uma rede no C-47 e decolamos. O calor, infernal; a umidade do ar, maior ainda, o que exigia esforço extra da velha garça, de “barriga cheia”. A criança, deitada na rede, ardia de febre. Informei Santarém que estávamos executando MMI (Missão de Misericórdia) e solicitei a presença de ambulância no pouso.
Perto de Itaituba “o médico” me comunica a morte da criança. Chamei à cabine o pai, e perguntei: - - O que é que o senhor quer que eu faça? Ele me pediu pelo amor de Deus, chorando, que eu voltasse à Jacaré, pois em Santarém seria mais um grande problema, além da sua grande tristeza.
Não tive dúvidas; cancelei a MMI, rumo inverso e regressamos à Jacaré. Era grande a tristeza dentro da velha garça. Pousamos. Dei um longo abraço no velho, e voltamos para Santarém.
Pernoitamos em Santarém, marcando a decolagem para Belém no dia seguinte, sábado, bem cedo. Quando eu fui chegando para decolar, assisti a mais hilariante das indisciplinas: o mecânico, “Sargento P.”, hoje falecido, estava completamente “ébrio”, com um papagaio no ombro, igualzinho àquele pirata do “Rum Bacardi”. O papagaio, ele havia conseguido em Cururu. Nu, da cintura p’ra cima; na mão direita uma camiseta. E, assim como um “boiadeiro levando a boiada”, ele ordenava aos atônitos passageiros que embarcassem logo, “pois o Major Maciel já está chegando”.
Decolamos. Mandei que P. fosse dar uma “cochilada” e fiquei pensando no que fazer. Após o cochilo, ele veio, assim meio sem jeito, conversar comigo. E conversamos um tempão. Não sei se foi pela morte da criança, ou quais motivos outros, mas o P. então me contou que aquela foi uma grande e infeliz recaída, pois estava em tratamento na irmandade de ajuda mútua “AA” (Alcoólicos Anônimos) em Belém, há mais de um ano, na esperança de se livrar da "Marvada Pinga". Na Ordem de Missão, eu relatei somente o caso da menina; o caso do sargento, não. O P. poderia até ser expulso da FAB, pois o Brigadeiro não iria perdoar.
Mas tudo, tudo, tudo chegava de imediato aos ouvidos do Brigadeiro. Logicamente que eu iria levar “cuidadosamente” o caso ao conhecimento do Comandante do Esquadrão, Segunda Feira, primeiro dia útil. Mas fui logo chamado para me justificar, na Segunda, bem cedo: - No caso da menina, o Brigadeiro queria saber por que eu não havia consultado o Esquadrão antes de regressar à Jacaré. Tentei explicar que não haveria tempo útil, além das conhecidas dificuldades de comunicações etc., e coisa e tal. Minha justificativa não agradou. Disse-me, irritadíssimo, entre outras coisas, que nós precisávamos deixar de pensar “que o avião era nosso”, e que havia “Ordem de Missão” para ser cumprida.
No caso do sargento eu falei que não transcrevi no Relatório de Voo porque eu achava que o caso era mais de compreensão, que de prisão; e no caso da menina, eu terminei falando que não me comuniquei com o Esquadrão porque, estivesse ou não autorizado, eu voltaria para Jacaré.
Meus “amados ouvintes”: não façam ideias erradas de mim. Sabemos muito bem dos rigorosos Estatutos e Regulamentos Disciplinares que estão aí a nos dizer o que cada um de nós é; o que cada um de nós não é; o que cada um de nós pode; e o que cada um de nós não pode.
Mas foi por essas e outras que eu costumava entrar nos Quadros de Acesso por Antiguidade; mas sempre ganhei em todos os recursos. Sempre fui promovido por Merecimento. Imaginem! Mas nunca deixei de dar este conselho aos mais “novinhos”: - - Façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço... Regulamento também é “Bom Senso”... kkkkkkk

Coronel Maciel

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