Apesar de ter feito as
maiores leãozadas durante minha carreira de “Oficial Aviador”, aliás, modéstia
à parte, muito mais Aviador que Oficial -- nunca, nem de leve, arranhei nenhuma
das muitas e variadas e belas garças que tive o prazer de voar. Sorte delas. Graças
a Deus nunca pousei sem trem, pois sempre achei que pousar sem trem é pior que
perder pênalti! Esse caso do avião da “Chapecó”, p’ra mim, estou dizendo “p’ra
mim, foi tudo culpa do piloto. Arriscou demais! Abusou demais da sorte. Nos
meus velhos tempos, sempre colocava uns Galões a mais nos tanques, pensando nos
meus, que ficaram em casa me esperando. Todo piloto tem suas histórias p’ra
contar. Uma vez decolei de Carauari para Eirunepê, lá no Rio Juruá. Estávamos
em condições de “voo por instrumento”, debaixo de chuvas e relâmpagos. Tudo ia
bem, e já havíamos percorrido metade do caminho quando de repente sentimos
fortíssima trepidação no motor esquerdo. Pá-pum-pum-pá, pum, um barulhão tremendo.
Acabara de desprender-se a cabeça de um
dos enormes cilindros do motor, levando consigo parte da carenagem. E fogo,
muito fogo no motor. Rapidamente executamos os procedimentos de emergência
previstos, e só depois de muito custo conseguimos colocar a “bolinha no
centro”, conseguindo assim estabilizar um pouco o avião, usando o regime
“máximo contínuo” no outro e único motor bom. Como sempre acontece nessas tristes
ocasiões, houve pânico a bordo e alguns passageiros, quase todos, correram para
a parte traseira do avião, pois e lá que eles acham ser é o melhor lugar para
se salvar.
As distâncias entre as
cidades na Amazônia são grandes, como grande e sinuoso é o majestoso Rio Juruá.
Eu, temeroso que o motor bom não aguentasse tanto esforço, durante tanto tempo,
decidi ficar sempre sobrevoando o rio, que é muito, muito sinuoso, para
executar uma possível amerissagem, pois são enormes as árvores naquela região e
sobre as águas havia alguma chance de sobrevivência. Bom; agora vem a parte mais “engraçada’ e pitoresca
do caso: o meu copiloto, coitado, era um segundo tenente da reserva bem
novinho, e que, --pálido de espanto como nos versos do Olavo Bilac -- desmaiou,
ao sentir o abraço da “bruxa” se aproximando. E desmaiou, dizendo que íamos
morrer. Só ficamos eu e o mecânico para me ajudar. Quando o tenente gritou que
íamos morrer, o nosso bom sargento apressou-se em abrir sua maletinha, e beber
o maior gole de sua caninha preferida e sua eterna companheira. Quando senti aquele bafo de cano na cabine,
olhei-o com aquele ar de censura, quando então ele disse -- agora alegre, sem
medo e bem-disposto: --Major Maciel, já que a gente vai morrer, né, e deu uma
boa e estrondosa gargalhada, cheia de medo e de esperança. Tive que rir também,
e juro a vocês que também senti vontade de tomar uma boa talagada. Mas a ocasião
não era nada propícia. Voamos muito tempo monomotor, e como não podíamos
abandonar o leito do rio, para o caso de um pouso de emergência, aquilo que
seria um tempo estimado 40 minutos para chegarmos em Eirunepê, acabou se
transformando numa “eternidade” de duas horas, voando a cem milhas por hora, num
regime de máximo contínuo no único motor bom, sempre sentindo aquele gostoso
cheirinho de cana a bordo.
Chegamos em Eirunepê
bem na hora do lusco-fusco, sob os olhares da multidão que nos aguardava
ansiosa no pequenino “aeroporto” da cidade, verdadeira pérola do Juruá. E o
mais engraçado de tudo é que fui carregado pela multidão de passageiros, como
um verdadeiro herói nacional. À noite, o prefeito nos ofereceu suculenta
“tartarugada” e fez até um discurso em minha homenagem, pois sua família inteira estava a bordo. Foi quando
eu chamei o nosso mecânico para um particular e “ordenei-lhe” que, agora sim!
-- me servisse um copo cheio da sua santa, gloriosa e salvadora caninha. kkkkkk.
Coronel Maciel.
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