Eu não tenho medo de
dizer que confio muito mais na sorte, que na razão. Quanto estou com medo da
realidade, eu fujo para os bairros mais distantes, os becos mais “perigosos”, para
conversar com os meus mais perigosos amigos; um deles, o “Passarinho”, que eu
gostava de conversar, dando “corda”, quando então ele me contava dos seus mais
perigosos “rasantes” pelos caminhos
da vida:-- Uma vez, em Recife, ele me
dizia, eu estava num bar, bebendo na companhia de uma mulher, quando de repente
apareceu um soldado da polícia, que arrancou a menina da mesa, puxando pelos
cabelos, com chutes e pontapés; eu não
sabia que ela era “mulher” do soldado; mas não tive dúvidas: puxei meu 38 dei-lhe um único tiro, mas tão certeiro que bastou-lhe para morrer. Passei
uns dois anos “na gaiola”, fugi, e desde então me escondo por aqui, quando
esses outros sacanas daqui dizem que fui “depenado” na gaiola... “Pássaro” tinha
noventa anos, quando morreu ano passado; era completamente lúcido, e tinha o
maior medo de morrer; fumava três cigarros por dia; de maconha, com um dinheirinho
que eu costumava lhe dar, ouvindo suas histórias; uma vez encontrei o pássaro
muito triste, num quartinho onde morava; um quarto que só cabia sua rede, e
quando se olhava pra cima, via-se telhas quebradas, que deixavam passar
respingos das chuvas; foi quando ele me pediu para comprar uma vela, para
acender num quartinho ao lado (são vários
os quartinhos naquele beco sem saída), vela que serviria para iluminar o caminho da alma de uma mulher,
vizinha sua, que acabara de morrer; para
que a alma, me dizia ele, não se perca
pelos caminhos do céu. Ontem morreu mais um grande amigo meu, o Coelho, o José
Luiz de Oliveira Coelho, que saiu da FAB quando Major Aviador, para ser Comandante
Internacional da VARIG. Hoje vou acender uma vela para o Coelho não se perder
no seu último voo, a caminho dos céus...
Coronel Maciel.
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