quarta-feira, 23 de maio de 2012

Relatório de um vôo... Um verdadeiro sufoco...


Tem dias que a gente se sente


 Como quem partiu ou morreu


 A gente estancou de repente


 Ou foi o mundo então que cresceu...


 


A gente quer ter voz ativa


 No nosso destino mandar


 Mas eis que chega a roda viva


 E carrega o destino prá lá ...




Tem dias que a gente se senta para escrever alguma coisa, mas não sai nada... Por onde andará o Chico, hein? -- Com certeza gozando as delícias de viver em Paris. Malandro como ele só, fez a cama na época da “ditadura”, enricou com suas musiquinhas gozando os generais e agora ri de “nóis”, vagando bêbado pelas ruas de Paris...


Todo mundo sabe que CPI só serve para colocar em evidência seus integrantes, e nada mais...  Mas ah! se eu pego esse Zé Cachoeira do jeito que estou pensando... Metia-lhe um cabo de vassoura no buraco quente que logo-logo ele desembuchava tudo o que sabe... Até as grandes roubalheiras havidas e havendo nas obras da mãe do PAC...


Mas hoje vendo o vídeo do avião da TAM que perdeu a carenagem da turbina logo após a decolagem aqui de Natal, me lembrei de lhes contar o acontecido naquela tarde-noite do dia 10 de janeiro de 1979 quando decolei no meu garboso C-47 lá de Carauari, cidadezinha nas margens do sinuoso Rio Juruá. O meu corajoso “Dakota” naquelas missões pela floresta amazônica tinha um coração igual aos corações de mães; sempre havia lugar para mais um... Havia mais de vinte passageiros caboclos ribeirinhos além do permitido. Havia também papagaios, índios, padres, freiras... Um total de 40 pessoas a bordo; 15 a mais do permitido... Mas no geral eram pessoas bem magrinhas, desnutridas, cheias de “malárias” e que não alteravam muito o peso máximo permitido para decolagem com segurança... O vôo era no trecho Carauari--Eirunepê e estávamos em condições de “vôo por instrumento”, debaixo de chuva e relâmpagos. Tudo ia bem, e já havíamos percorrido metade do caminho quando de repente sentimos fortíssima trepidação no motor esquerdo. Pum, pum, pum... Acabara de desprender-se a cabeça de um dos enormes cilindros do motor, levando consigo parte da carenagem, que é a cobertura que envolve os motores. E fogo, muito fogo no motor... Rapidamente executamos os procedimentos de emergência previstos, e só depois de muito custo conseguimos colocar a “bolinha no centro”, conseguindo assim estabilizar o avião, usando o regime “máximo contínuo” logicamente no motor bom, e voando a mil pés de altura... Como sempre acontece nessas emergências, houve pânico a bordo e alguns passageiros correram para a parte traseira do avião, deslocando perigosamente seu centro de gravidade. Um verdadeiro sufoco...


As distâncias entre as cidades na Amazônia são grandes, como grande e sinuoso é o majestoso Rio Juruá. Eu, temeroso que o motor bom não aguentasse tanto esforço, durante tanto tempo, decidi ficar sempre sobrevoando o rio, para executar uma amerissagem sobre o leito, pois são enormes as árvores naquela região e sobre as águas havia alguma chance de sobreviver...


Bom; agora vem a parte mais “engraçada’ e curiosa do caso: o meu copiloto era um segundo tenente da reserva bem novinho, e que, --pálido de espanto como nos versos do Olavo Bilac -- desmaiou, ao sentir o abraço da “bruxa” se aproximando... E desmaiou dizendo que íamos morrer... Só fiquei eu e o mecânico para me ajudar... Quando o tenente afirmou que íamos morrer, o nosso sargento apressou-se em abrir sua mala, e beber um generoso gole de sua caninha, eterna companheira capaz de salvá-lo em qualquer tipo de emergência... Quando senti aquele bafo de cano na cabine, olhei-o com aquele ar de censura, quando então ele disse -- já alegre, sem medo e bem disposto: --Major Maciel, já que vamos morrer, né...... kkkkkk  --Tive que rir da  inusitada ocasião, e juro que também senti vontade de tomar uma boa golada da sua gostosa caninha... 


Voamos muito tempo monomotor, e como não podíamos abandonar o leito do rio, para o caso de um pouso de emergência, aquilo que seria um tempo estimado 40 minutos para chegarmos em Eirunepê, acabou se transformando numa “eternidade” de duas horas, voando a  cem milhas por hora, num regime da máximo contínuo, e sentindo aquele cheirinho de cana do nosso grande amigo mecânico de vôo, que na realidade foi quem muito me ajudou naquelas horas que considero as de maior sufoco em minha vida...  


Chegamos em Eirunepê bem na hora do lusco-fusco, sob os olhares da multidão que nos aguardava ansiosa no pequeno “aeroporto” da cidade, verdadeira pérola do rio Juruá... E o mais engraçado de tudo é que fui carregado pelos passageiros, como um verdadeiro herói nacional. À noite, o prefeito nos ofereceu suculenta “tartarugada” e fez até um discurso em minha homenagem, pois sua   família estava toda a bordo... Foi quando eu chamei o sargento e “ordenei-lhe” que, agora sim! --  me servisse de um copo bem generoso da sua santa, gloriosa e salvadora  caninha... kkkkkk.


Coronel Maciel.