Relatório de um vôo... Um verdadeiro sufoco...
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...
Tem dias que a gente se senta para escrever
alguma coisa, mas não sai nada... Por onde andará o Chico, hein? -- Com certeza
gozando as delícias de viver em Paris. Malandro como ele só, fez a cama na
época da “ditadura”, enricou com suas musiquinhas gozando os generais e agora
ri de “nóis”, vagando bêbado pelas ruas de Paris...
Todo mundo sabe que CPI só serve para colocar em
evidência seus integrantes, e nada mais... Mas ah! se eu pego esse Zé Cachoeira do jeito
que estou pensando... Metia-lhe um cabo de vassoura no buraco quente que logo-logo
ele desembuchava tudo o que sabe... Até as grandes roubalheiras havidas e
havendo nas obras da mãe do PAC...
Mas hoje vendo o vídeo do avião da TAM que
perdeu a carenagem da turbina logo após a decolagem aqui de Natal, me lembrei
de lhes contar o acontecido naquela tarde-noite do dia 10 de janeiro de 1979
quando decolei no meu garboso C-47 lá de Carauari, cidadezinha nas margens do
sinuoso Rio Juruá. O meu corajoso “Dakota” naquelas missões pela floresta
amazônica tinha um coração igual aos corações de mães; sempre havia lugar para
mais um... Havia mais de vinte passageiros caboclos ribeirinhos além do
permitido. Havia também papagaios, índios, padres, freiras... Um total de 40
pessoas a bordo; 15 a mais do permitido... Mas no geral eram pessoas bem
magrinhas, desnutridas, cheias de “malárias” e que não alteravam muito o peso
máximo permitido para decolagem com segurança... O vôo era no trecho Carauari--Eirunepê
e estávamos em condições de “vôo por instrumento”, debaixo de chuva e
relâmpagos. Tudo ia bem, e já havíamos percorrido metade do caminho quando de
repente sentimos fortíssima trepidação no motor esquerdo. Pum, pum, pum... Acabara
de desprender-se a cabeça de um dos enormes cilindros do motor, levando consigo
parte da carenagem, que é a cobertura que envolve os motores. E fogo, muito
fogo no motor... Rapidamente executamos os procedimentos de emergência
previstos, e só depois de muito custo conseguimos colocar a “bolinha no
centro”, conseguindo assim estabilizar o avião, usando o regime “máximo
contínuo” logicamente no motor bom, e voando a mil pés de altura... Como sempre
acontece nessas emergências, houve pânico a bordo e alguns passageiros correram
para a parte traseira do avião, deslocando perigosamente seu centro de
gravidade. Um verdadeiro sufoco...
As distâncias entre as cidades na Amazônia são
grandes, como grande e sinuoso é o majestoso Rio Juruá. Eu, temeroso que o
motor bom não aguentasse tanto esforço, durante tanto tempo, decidi ficar
sempre sobrevoando o rio, para executar uma amerissagem sobre o leito, pois são
enormes as árvores naquela região e sobre as águas havia alguma chance de
sobreviver...
Bom; agora vem a parte mais “engraçada’ e
curiosa do caso: o meu copiloto era um segundo tenente da reserva bem novinho,
e que, --pálido de espanto como nos versos do Olavo Bilac -- desmaiou, ao
sentir o abraço da “bruxa” se aproximando... E desmaiou dizendo que íamos
morrer... Só fiquei eu e o mecânico para me ajudar... Quando o tenente afirmou que
íamos morrer, o nosso sargento apressou-se em abrir sua mala, e beber um
generoso gole de sua caninha, eterna companheira capaz de salvá-lo em qualquer
tipo de emergência... Quando senti aquele bafo de cano na cabine, olhei-o com
aquele ar de censura, quando então ele disse -- já alegre, sem medo e bem disposto:
--Major Maciel, já que vamos morrer, né...... kkkkkk --Tive que rir da inusitada ocasião, e juro que também senti
vontade de tomar uma boa golada da sua gostosa caninha...
Voamos muito tempo monomotor, e como não
podíamos abandonar o leito do rio, para o caso de um pouso de emergência, aquilo
que seria um tempo estimado 40 minutos para chegarmos em Eirunepê, acabou se transformando
numa “eternidade” de duas horas, voando a
cem milhas por hora, num regime da máximo contínuo, e sentindo aquele
cheirinho de cana do nosso grande amigo mecânico de vôo, que na realidade foi
quem muito me ajudou naquelas horas que considero as de maior sufoco em minha
vida...
Chegamos em Eirunepê bem na hora do lusco-fusco,
sob os olhares da multidão que nos aguardava ansiosa no pequeno “aeroporto” da
cidade, verdadeira pérola do rio Juruá... E o mais engraçado de tudo é que fui
carregado pelos passageiros, como um verdadeiro herói nacional. À noite, o
prefeito nos ofereceu suculenta “tartarugada” e fez até um discurso em minha
homenagem, pois sua família estava toda
a bordo... Foi quando eu chamei o sargento e “ordenei-lhe” que, agora sim! -- me servisse de um copo bem generoso da sua
santa, gloriosa e salvadora caninha...
kkkkkk.
Coronel Maciel.