Caminhos do céu.
Tinha um motorista de
táxi em Recife que me dizia: -- Não bebo, não fumo, não jogo, não discuto
política, nem religião: mas adoro uma “piniqueira”. Todas as vezes que eu me
meto a falar sobre religião, eu saio perdendo, e fico pensando assim: -- Por
que, meu Deus, no meio de tanta gente que acredita; tanta gente que tem fé;
tanta gente que me diz que quem tem fé tem tudo, mesmo assim eu ainda fico na
dúvida? Mesmo nos meus velhos tempos de criança, quando queriam que eu fosse ser
padre, e até ajudava missa, e missas em Latim! Eu ajudava, mas sempre ao lado
das minhas dúvidas. Foi quando desisti da luta, e acabei sendo piloto de avião,
voando sempre pertinho do céu. Hoje, mesmo depois de velho; quanto estou com
medo “da realidade”, eu fujo para os bairros mais distantes, os becos mais
“perigosos”, para conversar com os meus mais perigosos amigos; um deles era o “Passarinho”, que eu gostava de conversar,
dando-lhe a maior “corda”, quando então ele me contava dos seus mais perigosos
“rasantes” pelos becos da vida:-- Uma vez, em Recife, ele me dizia, eu
estava num bar, bebendo na companhia de uma namorada, quando de repente
apareceu um soldado da polícia que arrancou a menina da mesa, puxando pelos
cabelos, com chutes e pontapés; eu não
sabia que ela era “mulher” do soldado; mas
não tive dúvidas: puxei meu 38 e dei-lhe um único tiro; mas tão certeiro que bastou-lhe para morrer.
Passei uns dois anos “na gaiola”, fugi, e desde então me escondo por aqui,
neste meu querido bairro das Rocas, ao lado desses sacanas daqui que ficam
dizendo que fui “depenado” na gaiola. “Pássaro” tinha noventa anos, quando
morreu ano passado; era completamente lúcido, e tinha o maior medo de morrer;
fumava um cigarro por dia; um grande cigarro de maconha, com um dinheirinho que
eu costumava lhe dar, ouvindo suas histórias. Uma vez encontrei o Pássaro muito
triste, num quartinho onde morava; um quartinho que só cabia sua rede, e quando
se olhava pra cima, via-se telhas quebradas, que deixavam passar respingos das
chuvas; foi quando ele me pediu para comprar uma vela, para acender num
quartinho ao lado (são vários os quartinhos naquele beco sem saída), vela que
serviria para iluminar o caminho da alma de uma mulher, vizinha sua, que
acabara de morrer: -- Para que sua alma não se perca nos caminhos para o céu. Dias
depois fui lhe fazer uma visita, quando me disseram que o “Pássaro” morreu “ontem”:
-- Triste, muito triste mesmo, fui correndo comprar uma vela para que a alma do
meu amigo “Passarinho” não se perdesse nos caminhos do céu...
Coronel Maciel.