Tartarugada: -- Velhos
tempos.
Tudo na vida depende de
sorte. Tudo! Hoje, relendo minhas velhas Cadernetas de Voo, fico sem acreditar
em quantas “leãozadas” eu fiz, e quanta sorte eu tive e continuo tendo na vida.
Mas, apesar de tudo, nunca, nem de leve, arranhei nenhuma das minhas muitas,
variadas e belas garças que tive o prazer de voar. Todos nós, velhos pilotos “hangarados”,
temos nossos casos caso p’ra contar. Escutem essa. Uma vez decolei de Carauari
para Eirunepê, pequenina pérola situada nas margens do “Rio Juruá”. Estávamos
em condições de “Voo por Instrumentos”, debaixo do maior “Toró”, cheio
relâmpagos e trovões. Tudo ia bem. Já havíamos voado metade do caminho, quando
de repente, sem “tocar preparar”, ouvimos aquele barulhão: Pápumparatipum!
Acabara de voar pelos ares a cabeça um dos enormes cilindros do motor, levando
consigo parte da carenagem. E fogo, muito fogo no motor. Rapidamente executamos
os procedimentos de emergência previstos. Como “sói acontecer” nestas tristes
ocasiões, pânico a bordo! Passageiros
correram desesperados para a parte traseira do nosso corajoso C-47, pois é lá
que eles acham ser o melhor lugar para morrer.
Agora, a parte mais “engraçada’ e pitoresca do caso: o meu copila,
coitado, um Segundo Tenente da reserva, novinho ainda, que, -- “pálido de
espanto”, como nos versos do Olavo Bilac -- desmaiou, ao sentir o abraço
apertado da “bruxa”, dizendo que íamos morrer. Ao ouvir aquele grito de morte,
o nosso Sargento Mecânico apressou-se em abrir sua maletinha, e servir-se do
mais generoso trago de sua inseparável caninha preferida. Quando senti aquele
delicioso “bafo de cano”, olhei-o, com aquele ar de censura, quando então ele me
dizia: -- Capitão Maciel, já que a gente vai morrer, né?, dando uma boa e
estrondosa gargalhada, cheia de medo e esperanças! Tive que rir, e juro por “tudo
quanto é mais sagrado” que também senti vontade de tomar uma boa talagada. Mas
a ocasião não era pra brincadeiras. Voamos muito tempo monomotor, e como não
podíamos abandonar o leito do rio, muito sinuoso, para o caso de um pouso de
emergência, pois as árvores que margeavam o grande rio eram enormes
castanheiras, e aquilo que seria um tempo estimado 40 minutos, acabou se
transformando numa “eternidade” de duas horas; um verdadeiro “récorde” de voo
monomotor na Amazônia. Chegamos em Eirunepê bem na hora do lusco-fusco, sob os
olhares da multidão que nos aguardava ansiosa no pequenino “Aeroporto” daquela
cidadezinha tão querida. E o mais engraçado de tudo é que, em lá chegando, fui
carregado pela multidão, como um verdadeiro herói nacional! À noite, o prefeito
nos ofereceu suculenta “tartarugada” e fez até um discurso em minha homenagem,
pois sua família inteira estava a
bordo. Foi quando eu chamei o nosso mecânico para um particular e “ordenei-lhe”
que, agora sim! -- me servisse o mais generoso copo da sua santa, gloriosa e
salvadora caninha. Velho tempos. Quem escapa de um perigo ama a vida com mais
intensidade!
Coronel Maciel.