quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

VELHOS TEMPOS.

 

Tartarugada: -- Velhos tempos.

Tudo na vida depende de sorte. Tudo! Hoje, relendo minhas velhas Cadernetas de Voo, fico sem acreditar em quantas “leãozadas” eu fiz, e quanta sorte eu tive e continuo tendo na vida. Mas, apesar de tudo, nunca, nem de leve, arranhei nenhuma das minhas muitas, variadas e belas garças que tive o prazer de voar. Todos nós, velhos pilotos “hangarados”, temos nossos casos caso p’ra contar. Escutem essa. Uma vez decolei de Carauari para Eirunepê, pequenina pérola situada nas margens do “Rio Juruá”. Estávamos em condições de “Voo por Instrumentos”, debaixo do maior “Toró”, cheio relâmpagos e trovões. Tudo ia bem. Já havíamos voado metade do caminho, quando de repente, sem “tocar preparar”, ouvimos aquele barulhão: Pápumparatipum! Acabara de voar pelos ares a cabeça um dos enormes cilindros do motor, levando consigo parte da carenagem. E fogo, muito fogo no motor. Rapidamente executamos os procedimentos de emergência previstos. Como “sói acontecer” nestas tristes ocasiões, pânico a bordo!  Passageiros correram desesperados para a parte traseira do nosso corajoso C-47, pois é lá que eles acham ser o melhor lugar para morrer.  Agora, a parte mais “engraçada’ e pitoresca do caso: o meu copila, coitado, um Segundo Tenente da reserva, novinho ainda, que, -- “pálido de espanto”, como nos versos do Olavo Bilac -- desmaiou, ao sentir o abraço apertado da “bruxa”, dizendo que íamos morrer. Ao ouvir aquele grito de morte, o nosso Sargento Mecânico apressou-se em abrir sua maletinha, e servir-se do mais generoso trago de sua inseparável caninha preferida. Quando senti aquele delicioso “bafo de cano”, olhei-o, com aquele ar de censura, quando então ele me dizia: -- Capitão Maciel, já que a gente vai morrer, né?, dando uma boa e estrondosa gargalhada, cheia de medo e esperanças! Tive que rir, e juro por “tudo quanto é mais sagrado” que também senti vontade de tomar uma boa talagada. Mas a ocasião não era pra brincadeiras. Voamos muito tempo monomotor, e como não podíamos abandonar o leito do rio, muito sinuoso, para o caso de um pouso de emergência, pois as árvores que margeavam o grande rio eram enormes castanheiras, e aquilo que seria um tempo estimado 40 minutos, acabou se transformando numa “eternidade” de duas horas; um verdadeiro “récorde” de voo monomotor na Amazônia. Chegamos em Eirunepê bem na hora do lusco-fusco, sob os olhares da multidão que nos aguardava ansiosa no pequenino “Aeroporto” daquela cidadezinha tão querida. E o mais engraçado de tudo é que, em lá chegando, fui carregado pela multidão, como um verdadeiro herói nacional! À noite, o prefeito nos ofereceu suculenta “tartarugada” e fez até um discurso em minha homenagem, pois sua   família inteira estava a bordo. Foi quando eu chamei o nosso mecânico para um particular e “ordenei-lhe” que, agora sim! -- me servisse o mais generoso copo da sua santa, gloriosa e salvadora caninha. Velho tempos. Quem escapa de um perigo ama a vida com mais intensidade!

Coronel Maciel.

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