quarta-feira, 24 de junho de 2020

CAMINHOS DO CÉU.


Caminhos do céu.
Tinha um motorista de táxi em Recife que me dizia: -- Não bebo, não fumo, não jogo, não discuto política, nem religião: mas adoro uma “piniqueira”. Todas as vezes que eu me meto a falar sobre religião, eu saio perdendo, e fico pensando assim: -- Por que, meu Deus, no meio de tanta gente que acredita; tanta gente que tem fé; tanta gente que me diz que quem tem fé tem tudo, mesmo assim eu ainda fico na dúvida? Mesmo nos meus velhos tempos de criança, quando queriam que eu fosse ser padre, e até ajudava missa, e missas em Latim! Eu ajudava, mas sempre ao lado das minhas dúvidas. Foi quando desisti da luta, e acabei sendo piloto de avião, voando sempre pertinho do céu. Hoje, mesmo depois de velho; quanto estou com medo “da realidade”, eu fujo para os bairros mais distantes, os becos mais “perigosos”, para conversar com os meus mais perigosos amigos; um deles era  o “Passarinho”, que eu gostava de conversar, dando-lhe a maior “corda”, quando então ele me contava dos seus mais perigosos “rasantes” pelos  becos da  vida:-- Uma vez, em Recife, ele me dizia, eu estava num bar, bebendo na companhia de uma namorada, quando de repente apareceu um soldado da polícia que arrancou a menina da mesa, puxando pelos cabelos, com  chutes e pontapés; eu não sabia que ela era “mulher” do soldado; mas  não tive dúvidas: puxei meu 38 e  dei-lhe um único tiro; mas  tão certeiro que bastou-lhe para morrer. Passei uns dois anos “na gaiola”, fugi, e desde então me escondo por aqui, neste meu querido bairro das Rocas, ao lado desses sacanas daqui que ficam dizendo que fui “depenado” na gaiola. “Pássaro” tinha noventa anos, quando morreu ano passado; era completamente lúcido, e tinha o maior medo de morrer; fumava um cigarro por dia; um grande cigarro de maconha, com um dinheirinho que eu costumava lhe dar, ouvindo suas histórias. Uma vez encontrei o Pássaro muito triste, num quartinho onde morava; um quartinho que só cabia sua rede, e quando se olhava pra cima, via-se telhas quebradas, que deixavam passar respingos das chuvas; foi quando ele me pediu para comprar uma vela, para acender num quartinho ao lado (são vários os quartinhos naquele beco sem saída), vela que serviria para iluminar o caminho da alma de uma mulher, vizinha sua, que acabara de morrer: -- Para que sua alma não se perca nos caminhos para o céu. Dias depois fui lhe fazer uma visita, quando me disseram que o “Pássaro” morreu “ontem”: -- Triste, muito triste mesmo, fui correndo comprar uma vela para que a alma do meu amigo “Passarinho” não se perdesse nos caminhos do céu...
Coronel Maciel.


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