domingo, 7 de agosto de 2011

NA "CONFRARIA DO GILMAR"

É lá na confraria do Gilmar, um barzinho muito bem instalado num dos “Box” do antigo Mercado de Petrópolis, aqui em Natal, que vez em quando eu vou para “espairecer”; para ouvir antigas histórias vividas pelo “Dr. Chiquinho”, histórias verdadeiras acontecidas lá nos sertões do seu “Seridó”. Todos contam seus casos na vida... Eu também vou contando os meus... Principalmente aqueles sobrevoando a imensa floresta amazônica. Casos que eles gostam muito de ouvir. Ontem eu contei a eles sobre o meu “récorde” de vôo monomotor, sobrevoando aquele imenso “Inferno Verde”...

 -- Foi assim... Decolamos de Carauari para Eirunepê, fazendo a rota do rio Juruá. Chovia muito quando decolamos. As freiras rezavam com seus terços entre os dedos; os índios assustados com os raios e trovões também rezavam suas estranhas orações... Devido às fortes turbulências, resolvi subir para o topo das nuvens, bem acima de dez mil pés. Foi quando a “cabeça” de um dos enormes cilindros do motor esquerdo “voou pelos ares”, provocando fogo no motor do meu bravo DC-3, conhecido na FAB com C-47. O meu copiloto era um segundo tenente da reserva, com pouquíssima experiência de vôo, que “felizmente amarelou”, apavorado e dizendo que íamos morrer... Digo felizmente porque se fôssemos dois experientes pilotos certamente haveria “conflito de cabine”, isto é, cada um querendo fazer do seu jeito, tamanho era o perigo. -- Ora, cair em cima daquela floresta com árvores de mais de trinta metros de altura; com aqueles “bilhões” de mosquitinhos, verdadeiros diabinhos entrando pelo nariz, boca, olhos e ouvidos; onças, urubus-reis com suas cabeças vermelhas, macacos e cobras, não é nada saudável... Chamei o mecânico de vôo, um antigo e experiente primeiro sargento, para me “ajudar”, pois o co-piloto continuava apagado... Mandei que ele fosse acalmar os passageiros que, pensando que na parte de trás do avião é o lugar mais seguro no caso de um pouso forçado, correm para lá, provocando um desequilíbrio ainda maior no avião, ainda mais em vôo monomotor. O mecânico era uma ótima pessoa, um ótimo mecânico e muito, mas muito bom mesmo no “trago...”. Foi quando eu senti aquele bafo de cana no meu cangote... Olhei para ele, com aquele ar de censura, quando ele me disse:- - Major Maciel, já que vamos mesmo morrer, conforme diz o tenente... Tivemos que rir... Quando se abraça o perigo, perde-se o medo.

Estávamos com mais ou menos 40 pessoas a bordo do meu velho  C-47, uns quinze a mais do permitido, porém dentro dos limites do peso máximo para decolagem, pois aqueles passageiros estavam bem abaixo do peso normal. Eram magros e ribeirinhos daquele belo e sinuoso Rio Juruá. Após duas horas de vôo monomotor, com as pressões e temperaturas próximas dos limites máximos permitidos, voando com a potência máxima contínua no motor “bom”, a velocidade muito baixa, em vôo rasante sobre o leito do rio, que é muito sinuoso, pois eu raciocinava que, se pifasse o motor bom, a única chance de nos salvar seria pousar nas águas daquele grande rio. Naqueles terríveis momentos, e ainda por cima debaixo de muita chuva, pensei em efetuar um pouso forçado num pantanal que avistamos. Ordenei que os passageiros fossem preparados para “o pior”. Mas o Maia implorou-me que tentássemos chegar a Eirunepé. Mandei que o rádio-telegrafista enviasse para Belém nossa posição, mas ele não conseguia “falar” com ninguém... Só restava mesmo eu e o Maia, para levar aquela máquina embandeirada até Eirunepê.

Foi quando houve uma inesperada “tossida” no motor bom, no momento exato em que passamos a usar o combustível da asa do motor “embandeirado”. Foi um verdadeiro sufoco nesta hora. Para encurtar a história, devo dizer que chegamos à Eirunepé bem na hora do por-do-sol. Foi muita sorte, pois não havia balizamento para pouso noturno naquela bela cidade. Foi muita sorte mesmo, e, pasmem os senhores, fui carregado como verdadeiro herói pelos passageiros... Somente à noite, no jantar oferecido pelo prefeito, cujos familiares estavam a bordo, é que minhas pernas “danaram-se a tremer”, pois foi somente nesta hora que tive tempo de lembrar da minha mulher e dos meus três filhos ainda pequenos que estavam em Belém, sem saber de nada... E foi nesta hora que “ordenei” ao Maia, que estava ao meu lado na mesa, que me servisse um copo bem cheio da sua gostosa cachaça para ver se acalmava as “fortes turbulências” das minhas pernas...  Quem escapa de um perigo ama a vida com mais intensidade... Quanto ao tenente, não deixei que ele sofresse qualquer tipo de gozação. Feio seria se eu, macaco velho naquela tão querida região, tivesse amarelado... -- Aí, sim! Todos teriam morrido...

Coronel Maciel.


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