quinta-feira, 14 de julho de 2011

“Velha Águia Hangarada!”

Hoje eu consegui; mas, amanhã? Mesmo assim nós decolávamos diariamente com excesso de peso; “carga pesada e desamarrada”. Mas, por que eu continuava voando assim tão perigosamente? -- Bem, para ser sincero, era a única “coisa” que eu sabia fazer (e, modéstia à parte, muito bem! rsrsr...) direito para ganhar um pouco mais e melhorar tanto a minha; como a vida “dos meus”, era voar... --E, para ser mais sincero ainda, era por que eu sempre gostei muito de voar; muito mesmo! Voar era o meu maior “amor” rsrsr... Mas a realidade é que, muito veladamente é claro, há enormes pressões dos donos das empresas para que os pilotos “arrisquem” suas vidas (e a dos outros) para dar cada vez mais lucros aos seus donos; assim como sabemos que, da mesma forma, há enormes pressões com os motoristas desses luxuosos ônibus de turismos, bem como dos motoristas de ônibus, pobres ônibus, verdadeiras carroças que transportam nossas pobres crianças estudantes por esse Brasilzão a fora; pressões com motoristas desses enormes caminhões que diariamente estão causando acidentes pelas nossas esburacadas estradas... (Nem todos os empresários são assim; nem todos... rsrsr)
Quando fui para a reserva, passei alguns anos pilotando um Bandeirante comercial. Decolávamos diariamente de Recife para Natal, transportando jornais, revistas, sedex, todo tipo de cargas. Era um dia mais, outro dia um pouco menos de quinhentos quilos acima do permitido, o que é muito para um avião pequeno, como o Bandeirante. Sem entrar em análises técnicas de performances de aeronaves, mas um avião bimotor, por exemplo, pode muito bem decolar com cargas muito acima do permitido; mas – sempre há “aquele mas; aquele “porém”... – todo piloto sabe que se der um “monomotor” nas manobras de decolagem, o avião “vai cair”, pois aviões são previstos para voar somente se estiverem dentro do peso máximo permitido para decolagem, previsto pelo fabricante do avião.   
Bom; primeiro entrávamos no avião, pois era impossível fazê-lo com o avião depois de carregado. Há uma espécie “dá, ou desce” na aviação civil; e isto eu acho que acontece no mundo inteiro; ou faz assim, ou cai fora; tem mais de mil pilotos desempregados na boca de espera... É sempre assim; tanto faz ser numa grande, ou numa pequena empresa. Quem é que sabe realmente quantas e quantas toneladas de excesso de carga são transportados diariamente nestes enormes aviões, tanto no tamanho, quanto na potência das turbinas? Quem confere realmente essas cargas que são “jogadas” nos compartimentos de cargas, nos “porões” desses gigantescos aviões, mistos de carga e passageiros? Os passageiros sentados nas confortáveis poltronas, nem desconfiam o que está acontecendo nos porões de carga dos seus lindos aviões... Os pilotos, os comandantes, os tripulantes não passam também de cargas “um pouco mais nobres”, e qualquer problema, qualquer falha operacional, é muito fácil jogar a culpa nos pilotos... Constam nos anexos da Convenção de Chicago, da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), as responsabilidades dos comandantes... Não restam dúvidas que há pilotos mais e outros menos dotados; uns mais, outros menos inteligentes; uns de muita, outros de muito pouca sorte, ou competência...
Naquele dia foi assim; decolamos de Recife e, já próximos de João Pessoa, uma das turbinas pegou fogo (estava até previsto...); de imediato executei o procedimento de emergência para “fogo no motor”. Chovia muito; o co-piloto, menino novo na profissão, entrou em pânico, "pálido de espanto"... Eu lhe pedia que pelo menos me desse o procedimento de descida por instrumentos em JP, pois estávamos voando sem visibilidade e monomotor; mas que nada; ele, menino novo, só dizia, quase chorando, que íamos morrer, pois com a carga desamarrada seríamos espremidos até a morte, no caso de um pouso forçado. E era verdade. Minha única alternativa seria fazer o bloqueio do NDB (Rádio Farol) de JP, e “imaginar” um perna de afastamento, pois eu sabia o rumo da pista; e foi o que fiz, “rezando” para dar certo, pois não havia possibilidade nenhuma de arremetida; era tudo, ou nada. Fiz a imaginária perna de afastamento por dois minutos, fiz a curva base, entrei na final, quando felizmente avistei a pista... Eu mesmo baixei o trem, dei o restante dos flaps e fiz meu último pouso, naquele que é o mais belo de todos os ideais, a aviação (pelo menos para mim...) e com mais de doze mil horas de vôo...
Parei; parei de dar chance às velhas e impertinentes bruxas... E hoje, “velha águia hangarada”, só me resta saudades -- meu bem -- saudades daqueles velhos tempos, quando pilotava aqueles meus saudosos e lindos aviões...
Coronel Maciel.

PS:- - Saudades também do nosso grande amigo Rivaldo, Brigadeiro Rivaldo, amigo nosso desde os tempos quando éramos Tenentes-Aviadores instrutores de vôo no Destacamento Precursor da atual Academia da Força Aérea Brasileira, em Pirassununga, lá pelos idos de 64/65. O Rivaldo, assim como o Saito, o Brigadeiro Saito, o nosso atual Comandante, eram na época nossos alunos de vôo, Cadetes do Ar que eram, do último ano... Nossos pêsames também aos familiares das vítimas desse trágico acidente da “NOAR”. O Rivaldo era o piloto-comandante do vôo... Na realidade os familiares das vítimas são sempre os maiores sofredores desses acidentes tão trágicos.
Coronel Maciel.

2 comentários:

Unknown disse...

coronel Maciel, aqui é o SO Marques, o Cel Rivaldo foi meu cte no 3º/8º GAV, uma vez pronta a decolagem passei mal e tive que descer...ele me endagou: não confia aqui no boneco?? Tive tristeza de seu falecimento. A vida em sua aparente complexidade é narrada por diversas pessoas sob seu ponto de vita sobre a vida..frutos de mil aspectos conjecturas, donos das suas verdades, porém hão alguns aspectos que sáo comums, porém dentro desta complexidade, milhares de fatos e comprometimentos não trazemos a público heróis anônimos, homens, podemos até dizer diferentes da grande esmagadora maioria, que embora pequena valem por esta maioria. São homens como o senhor AMAZÔNIDA de vocação que escreveu em sua memória e nos que têm naquele longe rincão os agradecimentos de homens como o senhor. Pena que náo haja uma divulgação maior para a sociedade, como exemplo e como beijo no corações destes heróis. Um beijo no seu coração. Sempre lia seus posters no RESERVAER. BOA NOITE TB A SUA DIGNÍSSIMA FAMILIA QUE COM CERTEZA SE ORGULHA DESTE MESTRE PATRONO.

Anônimo disse...

Cel Maciel, acabei de ler o blog sobre o Comandante Rivaldo. Na epoca em que aconteceu o acidente em Recife, foi dificil acreditar que fosse o Cap Av Rivaldo que conheci no CFPM. Infelizmente foi confirmada a realidade de sua partida.
O Cap Rivaldo foi meu comandante em Natal em 1973. 2º EIA. Uma excelente pessoa tanto do ponto de vista humano como tambem profissional. Uma tristeza foi essa perda do Rivaldo.