Voando de Gorotire para Kubenkrankein.
Hoje é domingo, dia bom para lembrar coisas
boas, de contar velhos casos acontecidos sobrevoando a imensa e majestosa
floresta amazônica, no comando dos meus velhos e saudosos aviões. Apertem os
cintos, que São Pedro abriu as torneiras... Passarinho está indo pra casa a
pé...
O rio Fresco é um dos afluentes do majestoso
Xingu. É lá que fica a aldeia “Gorotire”, dos índios Caiapós, aqueles de
"beiços de pau". Começam bem cedo furando os lábios inferiores; à
medida que vão envelhecendo, vão aumentando o diâmetro da bolacha de pau,
ficando com aqueles beiços enormes. Entre nós, os que se dizem civilizados, a
coisa está ficando diferente; homens e mulheres estão abrindo buracos pelo
corpo inteiro, nos lugares mais secretos e remotos.
Decolamos de Gorotire para a aldeia dos índios
Kubenkrankein, ou Kuben-kran-ken. Era manhã de um dia chuvoso, com nuvens
baixas, as famosas e perigosas "barbas de bode", terror dos pilotos;
são nuvens que costumam se enamorar das majestosas árvores, num longo abraço,
iludindo os pilotos menos experientes que se aventuram a voar naquela Amazônia
ainda virgem e desconhecida.
Perder-se na Amazônia é muito fácil; difícil é
se achar depois; a tendência para quem se perde naquela região é perder-se cada
vez mais, e ficar cada vez mais com gosto de merda na boca... -- Hoje, não! --
Estou falando daqueles velhos tempos dos C-47; da aviação romântica; aviação do
“arco e flecha”... -- Na hora estimada da chegada, nada de avistarmos a aldeia
dos Kubens. Abrimos para um "quadrado crescente", técnica usada para
quem está perdido, naquele majestoso “Inferno Verde”. Hoje não; hoje os pilotos
não se perdem mais, com a ajuda dos incríveis GPS. Lá pela quarta perna
avistamos fumaças, parecidas com as de uma enorme fogueira. Era a “Cachoeira da
Fumaça”, onde se “escondia” a aldeia daqueles índios ainda muito arredios, que
nos olhavam de longe, temerosos e ameaçadores. A fumaça nada mais era que
respingos de água da enorme queda da cachoeira, respingos que subiam aos céus,
como se fora um farol para orientação dos nossos bravos pilotos.
Pousamos numa pista que mais parecia uma estrada
de boi e fomos recebidos com hurras, gritos e pulos dos índios e muito choro
das mulheres. Meu copiloto, novinho naquelas plagas, quase chora também; mas de
medo! Expliquei-lhe, conhecedor que era daqueles costumes indígenas, que o
choro nada mais era que uma demonstração de alegria pela volta de entes
queridos, regressando de tratamentos de saúde em Belém, Santarém, Manaus. Era
sinal de que tudo estava bem, naquela aldeia solitária, cercada de milhares de
araras azuis, papagaios, macacos, cachorros magros. Os “hurros” dos homens eram
demonstrações de força, como acontece com os “hurros” dos canhões nas guerras
entre os Exércitos dos homens ditos “civilizados”.
Velhos tempos, que não voltam mais...
Coronel Maciel.