domingo, 26 de maio de 2013

Voando de Gorotire para Kubenkrankein.


Hoje é domingo, dia bom para lembrar coisas boas, de contar velhos casos acontecidos sobrevoando a imensa e majestosa floresta amazônica, no comando dos meus velhos e saudosos aviões. Apertem os cintos, que São Pedro abriu as torneiras... Passarinho está indo pra casa a pé...


O rio Fresco é um dos afluentes do majestoso Xingu. É lá que fica a aldeia “Gorotire”, dos índios Caiapós, aqueles de "beiços de pau". Começam bem cedo furando os lábios inferiores; à medida que vão envelhecendo, vão aumentando o diâmetro da bolacha de pau, ficando com aqueles beiços enormes. Entre nós, os que se dizem civilizados, a coisa está ficando diferente; homens e mulheres estão abrindo buracos pelo corpo inteiro, nos lugares mais secretos e remotos.


Decolamos de Gorotire para a aldeia dos índios Kubenkrankein, ou Kuben-kran-ken. Era manhã de um dia chuvoso, com nuvens baixas, as famosas e perigosas "barbas de bode", terror dos pilotos; são nuvens que costumam se enamorar das majestosas árvores, num longo abraço, iludindo os pilotos menos experientes que se aventuram a voar naquela Amazônia ainda virgem e desconhecida.


Perder-se na Amazônia é muito fácil; difícil é se achar depois; a tendência para quem se perde naquela região é perder-se cada vez mais, e ficar cada vez mais com gosto de merda na boca... -- Hoje, não! -- Estou falando daqueles velhos tempos dos C-47; da aviação romântica; aviação do “arco e flecha”... -- Na hora estimada da chegada, nada de avistarmos a aldeia dos Kubens. Abrimos para um "quadrado crescente", técnica usada para quem está perdido, naquele majestoso “Inferno Verde”. Hoje não; hoje os pilotos não se perdem mais, com a ajuda dos incríveis GPS. Lá pela quarta perna avistamos fumaças, parecidas com as de uma enorme fogueira. Era a “Cachoeira da Fumaça”, onde se “escondia” a aldeia daqueles índios ainda muito arredios, que nos olhavam de longe, temerosos e ameaçadores. A fumaça nada mais era que respingos de água da enorme queda da cachoeira, respingos que subiam aos céus, como se fora um farol para orientação dos nossos bravos pilotos.


Pousamos numa pista que mais parecia uma estrada de boi e fomos recebidos com hurras, gritos e pulos dos índios e muito choro das mulheres. Meu copiloto, novinho naquelas plagas, quase chora também; mas de medo! Expliquei-lhe, conhecedor que era daqueles costumes indígenas, que o choro nada mais era que uma demonstração de alegria pela volta de entes queridos, regressando de tratamentos de saúde em Belém, Santarém, Manaus. Era sinal de que tudo estava bem, naquela aldeia solitária, cercada de milhares de araras azuis, papagaios, macacos, cachorros magros. Os “hurros” dos homens eram demonstrações de força, como acontece com os “hurros” dos canhões nas guerras entre os Exércitos dos homens ditos “civilizados”.


Velhos tempos, que não voltam mais...


Coronel Maciel.