quarta-feira, 5 de junho de 2013

Eu sabia que vocês viriam...


Já fiz várias vezes a rota “Jacareacanga – Cachimbo”. Mas somente em voo visual diurno. Voar noturno sobre a densa floresta amazônica era muito perigoso. Hoje nem tanto. Hoje os pilotos contam com a ajuda dos fabulosos GPS. Impossível se perder... Mas naquela época, fazer o trajeto de C-47, não era nada agradável. As distâncias entre as cidades são enormes e contávamos somente com o auxílio dos rádios faróis, nem sempre confiáveis, principalmente à noite, quando mais se precisa.

Foi num dia de junho de 1967 que o Destacamento de Proteção ao Voo de Cachimbo, no sul do Pará, sofreu “ameaça de invasão” por cerca de 100 índios. Na realidade não se pode afirmar que houve essa ameaça. Mas os militares da FAB ali destacados, sozinhos no meio da mata, imaginaram que sim e solicitaram reforço urgente de Belém, sede da então Primeira Zona Aérea, de onde eram enviados suprimentos materiais “e humanos” para dezenas e dezenas de outros destacamentos, situados na imensa região amazônica.

 Bom. – Mas o que eu queria lhes contar, rapidamente, foi o desencadeamento de uma grande tragédia, que culminou com a morte de vinte pessoas e o resgate de cinco sobreviventes. Foi assim: -- De Belém decolou um C-47 com uma tropa armada de 23 militares, mais um índio aculturado. Não vou agora descrever as polêmicas que se criaram se o Brigadeiro Comandante da Primeira Zona Aérea deveria ou não ter autorizado a decolagem de Belém para Jacaré, e de lá para Cachimbo, este trecho totalmente em “voo por instrumentos” noturno, com equipamento de navegação apresentando “panes intermitentes”. Mas, era uma missão considerada “missão de guerra”.

Prevendo problemas, decolaram de Jacaré para Cachimbo “full tanques”, o que dá uma autonomia de oito horas. Após o tempo estimado de voo, não conseguiram avistar, nem conseguiam receber os sinais do rádio farol de Cachimbo. Fizeram o procedimento previsto para o caso, abrindo para um “Quadrado Crescente”, sem sucesso...  Resolveram então regressar para Jacaré. E não conseguiram também nem avistar, nem receber os sinais do rádio farol de Jacaré. Estavam “perdidos” e “mal pagos”. A tendência para quem se perde, principalmente na Amazônia, é perder-se cada vez mais. E foi o que aconteceu. Aproaram Manaus, na esperança de “se acharem”. Mas nada de Manaus chegar... Quando se está perdido, sente-se um gosto de merda na boca... É horrível. Voaram, voaram e voaram, completamente perdidos, e foram cair devido “pane seca” num lugar que o SALVAERO, o serviço de “Busca e Salvamento” da FAB, nunca poderia imaginar. Perto de Tefé!

Foi realizada uma das maiores operações de Busca e Salvamento já realizadas no mundo, que perdurou por vários e longos dias. Os cinco sobreviventes contam que os “urubus-reis”, enormes urubus de cabeças vermelhas, depois de gastos todas as munições para espantá-los, comiam as carnes dos que iam morrendo... E quando foram finalmente salvos, eles choravam e gritavam: -- “Nós sabíamos que vocês viriam”...

Nem sempre se pode “voar” e ser feliz ao mesmo tempo...

Coronel Maciel.