sexta-feira, 7 de junho de 2013

Malária Nervosa... "Marvada Pinga"...


Como eram fortes, amigos, fiéis e corajosos os “Dakota C-47” dos meus velhos tempos na minha querida Força Aérea!  Eram iguais a coração de mãe: sempre havia lugar para mais um. Decolamos de Cururu para Jacareacanga com a garça pesadona; quase totalmente cheia! Em Jacaré foi que encheu mesmo! Lotado; igual “sardinha em lata”! Foi quando o nosso tenente médico veio-me dizer que havia uma menina de uns dez anos de idade com “malária nervosa” e que precisava ser transportada de qualquer maneira para Santarém. Malária, como vocês sabem, tem cura; exceto a primeira...

 “Arquitetamos” uma rede no C-47 e decolamos. O calor era grande; a umidade do ar, maior ainda, o que exigia esforço extra da velha garça de “barriga muito cheia”. A criança, deitada na rede, ardia de tanta febre. Informei Santarém que estávamos executando MMI (Missão de Misericórdia) e solicitei a presença de ambulância no pouso.

Perto de Itaituba o tenente médico me comunica que a menina havia morrido. Chamei à cabine o pai, e perguntei:- - O que é que o senhor quer que eu faça? Ele me pediu pelo amor de Deus e quase chorando que eu voltasse à Jacaré, pois em Santarém seria mais um grande problema, além da sua grande tristeza.

Não tive dúvidas; cancelei a MMI, rumo inverso e regressamos à Jacaré. Era grande a tristeza dentro da velha garça. Pousamos. Dei um longo abraço no velho pai e voltamos para Santarém.

Devido a problemas técnicos, pernoitamos em Santarém, marcando a decolagem para Belém no dia seguinte, sábado, bem cedo. Quando eu fui chegando para decolar, assisti a uma cena de enorme; de hilariante indisciplina: o mecânico, “Sargento P.”, hoje falecido, estava completamente embriagado, com um papagaio no ombro, igualzinho àquele pirata do “Rum Bacardi”. O papagaio, ele havia conseguido em Cururu. Nu, da cintura pra cima. Na mão direita, uma camiseta. E, assim como um “boiadeiro levando a boiada”, ele ordenava aos atônitos passageiros que embarcassem logo, “pois o Major Maciel já está chegando.”.

Decolamos. Mandei que P. fosse dar uma “cochilada” e fiquei pensando no que fazer. Após o cochilo, ele veio, assim meio sem graça, conversar comigo. E conversamos um tempão. Não sei se foi pela morte da criança, ou quais motivos outros, mas o P. então me contou que aquela foi uma grande e infeliz recaída, pois estava em tratamento na irmandade de ajuda mútua “AA” (Alcoólicos Anônimos) em Belém, há mais de um ano, na esperança de livrar-se da "marvada pinga". Na ordem de missão, eu relatei somente o caso da menina; o caso do sargento, não. O P. poderia até ser expulso da FAB, pois o Brigadeiro comandante do COMAR não iria lhe perdoar.

Mas tudo, tudo, tudo chegava de imediato aos ouvidos do Brigadeiro. Logicamente que eu iria levar “cuidadosamente” o caso ao conhecimento do Comandante do Esquadrão, quando chagasse a segunda feira, primeiro dia útil. Mas fui logo chamado para justificar-me, na segunda, bem cedo:- No caso da menina, o Brigadeiro queria saber por que eu não havia consultado o Esquadrão antes de regressar à Jacaré. Tentei explicar que não haveria tempo útil, além das conhecidas dificuldades de comunicações etc., etc. e tal... Mas a justificativa não lhe agradou. Disse-me, muito irritado, entre outras coisas, que nós precisávamos deixar de pensar “que o avião era nosso”, e que havia “Ordem de Missão” para ser cumprida.

No caso do sargento eu falei que não transcrevi no relatório de voo porque eu achava que o caso era mais de compreensão, que de prisão; e no caso da menina que havia morrido, eu terminei falando que não me comuniquei com o Esquadrão porque, estivesse ou não autorizado, eu voltaria para Jacaré...

Meus “amados ouvintes”: não façam ideias erradas de mim. Sabemos muito bem dos rigorosos Estatutos e Regulamentos Disciplinares que estão aí a nos dizer o que cada um de nós é; o que cada um de nós não é; o que cada um de nós pode; e o que cada um de nós não pode fazer.

Mas foi por essas e outras que eu costumava entrar nos Quadros de Acesso por antiguidade; mas sempre ganhei nos recursos. Sempre fui promovido por merecimento. Nunca deixei também de dar este conselho aos mais “novinhos”:- - Façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço.

Regulamento também é “bom senso”...

Coronel Maciel